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Direitos Humanos

Dez anos após o rompimento, vítimas de Mariana ainda lutam por dignidade.

O maior desastre ambiental do Brasil, comunidades atingidas convivem com moradias inacabadas, indenizações atrasadas e a dor de um futuro interrompido

Dez anos após o rompimento, vítimas de Mariana ainda lutam por dignidade.
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O relógio marcava pouco depois das 15h30 de 5 de novembro de 2015 quando a barragem do Fundão, pertencente à mineradora Samarco — controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton —, se rompeu em Mariana, na Região Central de Minas Gerais. Em minutos, cerca de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério avançaram sobre distritos inteiros, soterrando casas, escolas, rios e vidas.

A lama varreu comunidades históricas como Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, deixou 19 mortos e espalhou destruição ao longo de mais de 600 quilômetros até alcançar o oceano, no Espírito Santo. Foi o maior desastre socioambiental da história do Brasil e um dos maiores do mundo.

Mas, passados dez anos, o sentimento predominante entre os atingidos é de abandono e impunidade.

 

“A vida não voltou a ser o que era”

Em Bento Rodrigues, o novo distrito — construído a cerca de 10 quilômetros do local original — simboliza a reconstrução física, mas não a emocional. Das 248 famílias cadastradas, muitas ainda esperam ajustes em suas novas casas ou vivem em residências provisórias.

“Hoje temos casa nova, mas não temos mais o mesmo chão”, diz o mecânico Onézio Izabel de Souza, que perdeu tudo na tragédia. “A vida tem mais conforto, mas não tem mais a alegria que tinha. Aquela união da gente, aquela vizinhança de portas abertas, já não existe mais.”

A frase ecoa o sentimento de centenas de atingidos: o reassentamento trouxe telhados, mas não devolveu o pertencimento.

 

Reparação lenta e desigual

A Fundação Renova, criada em 2016 para coordenar a reparação, afirma ter pago mais de R$ 14 bilhões em indenizações, auxílios financeiros e obras de reconstrução. O número impressiona, mas, para quem vive o cotidiano das comunidades atingidas, a conta não fecha.

Muitos relatam moradias com problemas estruturais, atrasos em indenizações e burocracia excessiva para acessar benefícios. Além das perdas materiais, há feridas que o tempo não cicatrizou: adoecimento mental, depressão e suicídios se tornaram parte de uma realidade silenciosa.

“Essas pessoas não perderam apenas bens, mas laços, memórias, vizinhos, modos de vida”, explica a psicóloga Renata Magalhães, que acompanha famílias atingidas há oito anos. “É uma tragédia de dimensões humanas, e não apenas ambientais.”

 

O peso da impunidade

O caso também é símbolo da lentidão da Justiça brasileira. Dos 21 réus denunciados pelo Ministério Público Federal por homicídio e crimes ambientais, nenhum foi condenado de forma definitiva até hoje. Parte do processo foi anulada e convertida em infrações menos graves, como delitos contra a fauna e a flora, o que revoltou as vítimas.

Para Edivando Alves, representante da Comissão dos Atingidos de Mariana, “a justiça que chega tarde é uma forma de negar o direito das vítimas”. Ele diz que o sentimento de impunidade é o que mais dói: “A lama levou a casa da gente, mas a demora da Justiça é o que continua nos afogando”.

 

Desastre humano e ambiental

Os impactos no meio ambiente ainda são profundos. O Rio Doce, que abastece centenas de municípios, segue em processo de recuperação. Pesquisas apontam presença de metais pesados no leito e em peixes, além da perda de biodiversidade em vários trechos.

O ambientalista Eduardo Gomes, um dos primeiros a ser informado sobre o rompimento, lembra que o desastre expôs a fragilidade da gestão ambiental no país. “Foi um marco. Muita coisa mudou na legislação de barragens, mas ainda existe o risco. O que aconteceu em Mariana não pode ser esquecido, nem repetido”, afirma.

O caso também abriu espaço para um debate global sobre a mineração e seus impactos sociais. Desde 2015, outras barragens em Minas Gerais passaram por revisões, mas tragédias como a de Brumadinho, em 2019, mostraram que o problema está longe de ser resolvido.

 

O tempo parou em 2015

Para quem perdeu tudo, o tempo parece ter parado há uma década. A cada 5 de novembro, o luto se renova, e a sensação é de que 2015 ainda não acabou. “A gente quer seguir, mas o passado não deixa. O que aconteceu com a gente não tem reparação que apague”, diz Onézio, emocionado.

Enquanto as empresas e o poder público discutem números e prazos, as comunidades tentam reconstruir a vida do zero — uma vida que, para muitos, jamais voltará a ser como antes.

 

 

FONTE/CRÉDITOS: Estado de Minas
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